A temporada final de “Você” estreou na madrugada do dia 24 de abril na Netflix, encerrando o ciclo de perseguições, abusos psicológicos e outras violências que Joe Goldberg usualmente performava em seus relacionamentos — sempre sob a máscara de um charme impecável, mas com a mente incorrigível de um assassino em série. Desde sua estreia em 2018, a série abordou temas relevantes e perturbadores, gerando debates ao longo dos anos e agora, com o fim da jornada de Joe, é hora de revisitar os ecos sombrios que ele deixou pelo caminho — e, é claro, este texto está repleto de spoilers. Siga por sua conta e risco!
Temporada 1 - Guinevere Beck
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Marcando a brilhante estreia de Penn Badgley como Joe Goldberg, a primeira temporada de Você destacou-se pela crítica à exposição excessiva nas redes sociais. Joe, gerente de uma livraria em Nova Iorque, revela-se um stalker obsessivo ao invadir a vida de Beck, uma jovem universitária e aspirante a escritora, e criar uma narrativa para conquistá-la. A série causou controvérsia ao apresentar um protagonista perturbador que, ainda assim, despertava empatia em parte do público ao eliminar obstáculos, vistos em sua lógica distorcida, como ameaças ao controle que exerciam sobre a escritora. O suposto “instinto protetor” de Joe, incluindo Paco, seu jovem vizinho vítima de violência doméstica, confundiu espectadores — uma dualidade que a série explorou com mais profundidade na temporada final.
Temporada 2 - Love Quinn
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Após o assassinato de Beck e a publicação póstuma de seu livro em um falso gesto de solidariedade, Joe se muda para Los Angeles em busca de um novo começo. Lá conhece Love(Victoria Pedretti), uma chef carismática de família influente e seu irmão gêmeo, Forty, que é um aspirante a cineasta e namora Candace — uma ex de Joe, decidida a desmascará-lo ao sugerir adaptação do livro de Beck após seu trágico desfecho. Delilah, vizinha e jornalista de Joe, desconfia dos crimes que até o momento ultrapassam oito vítimas e acaba presa por ele na jaula de vidro. Quando Love revela seus próprios segredos e mostra-se tão obsessiva e letal quanto Joe, ele percebe que encontrou alguém que reflete sua própria escuridão — e isso o desestabiliza pela primeira vez.
Temporada 3 - Marienne Bellamy
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Ilusão de um amor recíproco se desfaz quando Joe descobre os crimes de Love. — Para ele, a esposa é um ser humano desprezível por matar Delilah e Candace, o que relete ainda mais sua soberba em ser o único que não comete tais ‘erros detestáveis’ afinal, Joe se considera um salvador, e não um ceifador. Desencantado, Joe só a mantém viva por causa da gravidez. Em Madre Linda, os dois assumem uma vida de aparências: a casa perfeita, o casal apaixonado com um bebê feliz. Mas o disfarce não dura e Joe logo se vê obcecado por outra mulher, o que leva a esposa a agir antes que a fantasia de Joe floresça, matando-a à sangue-frio. O gesto inicia uma saga de carnificina em efeito dominó onde Joe e Love eliminam pessoas que, de certa forma, representam riscos reais e incômodos que nessa zona cinzenta, provocam o espectador, desafiando a empatia e suas convicções. A conexão entre Joe e Mariane Bellamy cresce, alimentada pela fragilidade dela e pela fantasia de Joe de ser seu salvador ao descobrir que Marianne enfrenta um relacionamento abusivo e luta pela guarda da filha. No entanto, por trás de cada gesto aparentemente altruísta, esconde-se a conhecida obsessão doentia. Joe não ama — ele consome, idealiza e controla. E é o que motiva o personagem a forjar a própria morte e persegui-la.
Temporada 4 - Kate Lockwood
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A emblemática figura de Kate surge como o começo do declínio de Joe. O protagonista se vê envolvido em uma série de assassinatos ao tentar recomeçar em Londres, mas desta vez, ele não é o caçador — mas a presa de um misterioso assassino que parece conhecer todos segredos que ele lutou para esconder até então. No fim, a série mergulha de vez na magnitude de sua mente perturbada, revelando que o maior inimigo de Joe, é ele mesmo. Perturbado por sessões de dissociação com outra personalidade ele passa a assassinar pessoas na tentativa de encontrar Marianne e se apaixona por Kate no processo. A personagem vivida por Charlotte Ritchie tem um poder sombrio sobre Joe, diferente da impulsividade de Love na temporada anterior, Kate consegue fazê-lo acreditar que seus lados sombrios são complementares, e isso caminha para o desfecho final da série com a prévia premissa de sua mente instável.
Temporada 5 - Louise Flannery
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A temporada final escancara finalmente o lado sombrio de Joe, aquele que a narrativa cuidadosamente camuflou nas temporadas anteriores. A aparição de Louise Flannery, amiga de Guinevere Beck, funciona como um acerto de contas com o passado — e também como um artifício para fechar o ciclo iniciado no primeiro episódio, combatendo o silêncio que perdurou desde o final da primeira temporada com o esquecimento parcial de Beck na trama.
Pela primeira vez, Joe é vítima de sua própria armadilha. Embora alguns fãs tenham estranhado seu descuido, isso reflete o desgaste emocional de um assassino em série em constante conflito com suas obsessões. A série aprofunda o sombrio ao mostrar que suas esposas sempre foram usadas como ferramentas, não como proteção ao filho — como ele dizia. Mais tarde, Henry se torna elemento chave ao notar essa natureza selvagem do pai, gerando um surto psicótico em Joe que o leva até mesmo a matar no meio da rua, se automutilar para escapar de seu destino e ameaçar a vida de Louise como um verdadeiro monstro de ‘slasher’ dos anos 80 quando ele enfim reconhece que sua escuridão não vem de um desejo de proteger, mas de uma incontrolável sede de sangue. Kate se torna a única figura capaz de controlá-lo, considerando que foi a personagem que devolveu a Joe “tudo” que ele tinha — sendo elas: a guarda do filho, seu nome e sua cidade de origem — ela também rouba esse direito de Joe e reúne outras obsessões anteriores de Joe para ajudá-la.
A ligação entre as vítimas tinha tudo para render muito mais, e seria bem mais interessante explorar temas como julgamento, condenação e a tão esperada exposição pública dos crimes de Joe — um prato cheio para os fãs que queriam vê-lo pagar finalmente por seus crimes, mas a série opta por caminhos menos impactantes. Apesar disso, a série acerta ao mostrar a complexidade emocional de Louise, presa entre sentimentos conflitantes e a dificuldade de romper com um relacionamento abusivo — uma resposta direta às críticas que recaíram sobre vítimas anteriores e escorrega novamente ao colocar Louise isolada numa cabana na floresta, lidando com a insanidade de um psicopata após abandonar toda sua confusão emocional em questão de minutos.
Para finalizar, o arco também toca — de forma sutil, mas certeira — na questão do privilégio branco e no charme manipulador de Joe como ferramentas que o mantêm impune por tanto tempo, um paralelo direto com figuras reais como Ted Bundy. O desfecho da série acerta ao virar o espelho para o público, fazendo uma crítica direta à romantização de figuras como Joe Goldberg. A frase final — 'Talvez o problema não seja eu. Talvez seja você.' — amarra com inteligência o título da série e escancara a provocação: até que ponto somos cúmplices ao consumir, admirar ou justificar monstros bem vestidos e articulados?