Em meio à revolução digital que transformou a fotografia em um gesto banal do cotidiano, a exposição Arquipélago Imaginário, em cartaz no Instituto Moreira Salles (IMS), em São Paulo, propõe um retorno à imagem como experiência sensível, artesanal e profundamente enraizada em vínculos. A mostra reúne 258 fotografias do paraense Luiz Braga, um dos nomes mais relevantes da fotografia brasileira contemporânea. Dessas, 190 são inéditas.
Braga começou a fotografar em 1975, ainda no tempo do preto e branco, quando cada clique envolvia custos, paciência e precisão. Ao longo de cinco décadas, construiu um corpo de trabalho que reflete um compromisso com seu território — a Amazônia — e com as pessoas que a habitam. As imagens expostas não são apenas registros: são o resultado de convivências, de olhares repetidos, de uma intimidade construída com o tempo.
“O que está lá é, antes de tudo, uma grande manifestação de afeto por essas pessoas e esses lugares”, afirma o fotógrafo. Muitas das figuras retratadas por ele voltaram a aparecer em diferentes momentos, sob diferentes luzes, em outras fases da vida. Esse reencontro recorrente permitiu a Braga registrar nuances da experiência humana que escapam ao olhar apressado.
A curadoria, assinada por Bitu Cassundé e Maria Luiza Menezes, levou cerca de um ano e teve como ponto de partida não uma cronologia, mas uma lógica orgânica e afetiva. “Não me interessava pensar em uma linha do tempo rígida. Sempre pensei na exposição dentro de uma natureza mais livre, em que os tempos se entrecruzam. Em uma mesma sala, é possível encontrar fotos de diferentes períodos, em preto e branco e em cores”, explica Cassundé.
A exposição está organizada em núcleos temáticos como O outro, o alheio , Territórios e pertencimentos – o Norte , Arquitetura da intimidade , Afazeres e trabalhos , Sintaxes populares , O retrato , O antirretrato , O Marajó , além do impactante Nightvision – Mapa do Éden , onde as imagens ganham contornos mais experimentais. Nessa série, as fotografias assumem tons verdes, sombras densas e um realismo fabulado. “Você pode, sim, fabular — desde que use a técnica para, mesmo ancorado na realidade, criar outro lugar”, diz Braga.
Essa abordagem mais surrealista não nega a realidade, mas a reinventa, abrindo espaço para novas narrativas visuais sobre a Amazônia, frequentemente presa a estereótipos. “Na sessão Nightvision , a ficção das cores abre espaço para a inventividade narrativa, um tipo de surrealismo como recusa dos clichês sobre o território”, destaca o curador.
Outro elemento recorrente na exposição são os chamados antirretratos — imagens de pessoas fotografadas de costas, muitas vezes em silêncio, alheias ao fotógrafo. Esse recurso desafia a ideia tradicional de retrato e reforça uma visão que valoriza o anonimato e a subjetividade.
Ao longo de sua trajetória, Braga conciliou a fotografia comercial com projetos autorais. Com o que ganhava nos trabalhos pagos, custeava suas incursões criativas, muitas vezes solitárias e sem qualquer patrocínio. “Não era encomenda, não havia pauta. Era apenas para me expressar, me enxergar no mundo e me relacionar com o outro”, conta.
Mesmo tendo alcançado reconhecimento no circuito artístico nacional, Braga não ignora os preconceitos ainda presentes quando se trata da produção amazônica. “Já vi várias vezes expressões de surpresa ao descobrirem que minhas fotos são de um artista do Pará, como se não fosse possível que algo sofisticado viesse do Norte do país”, relata.
O fotógrafo também critica a forma desigual como a região é tratada, especialmente no que diz respeito à violência ambiental e social. Cita práticas como o desmatamento com correntão e a violação de direitos de comunidades indígenas e quilombolas como exemplos de ações que, segundo ele, seriam impensáveis em outras partes do Brasil. “Tem certas coisas, para cá, para cima, que, se fossem em São Paulo, não aconteceriam”, dispara.
Arquipélago Imaginário não é apenas uma retrospectiva. É um posicionamento político e poético. Braga não apenas documenta, mas interpreta e reinventa sua terra natal — um Pará que ele habita, mas também sonha. O público que visita a exposição não vê apenas fotografias: entra em contato com um universo íntimo, construído a partir de escutas, silêncios, cores e gestos que só se revelam a quem sabe esperar.
Com informações Agência Brasil